Banking is necessary, banks are not. A frase dita por Bill Gates em 1994 já prenunciava o cenário em que os bancos perderiam o protagonismo na oferta de serviços bancários. E o exemplo maior disso foi presenciado recentemente. A Apple, uma das empresas mais valiosas do mundo e tradicionalmente conhecida por ter uma legião de fiéis amantes de seus produtos, anunciou a entrada em um segmento cada vez mais disputado: o mercado de pagamentos.
No fim de março a gigante de Cupertino colocou seus pés definitivamente na oferta de serviços e um dos seus mais emblemáticos é o Apple Card. O cartão de crédito será atrelado aos usuários do iPhone, e trará uma série de vantagens, como taxas menores das cobradas pelas instituições tradicionais, controle financeiro digital e sistema de cashback. Ainda é cedo para dizer se a empreitada pode ser um game-changer para os planos da companhia, mas é seguro afirmar que a Apple mostra com a iniciativa que as grandes também estão olhando para o universo das fintechs, também entendendo que, serviços de valor agregado, são extremamente importantes para o consumidor.
A frase dita há mais de 20 anos por Gates, quando o executivo da Microsoft tinha planos de ingressar no mercado de transações financeiras, faz mais sentido do que nunca. Se antes os bancos tinham poder para barrar a competição de players de tecnologia, hoje isso só não é mais possível como também é suicídio. Dessa forma a Apple ditou as regras, permitindo ao Goldman Sachs dar o respaldo necessário ao Apple Card. A instituição, porém, não possui mais a credibilidade que uma vez tivera. Parte disso por ter tido envolvimento direto no crash de 2008, na crise da dívida europeia, e em uma série de outros escândalos relacionados a fraudes do sistema financeiro.
Se os bancos perderam credibilidade, as empresas de tecnologia estão a todo o vapor. E o objetivo é um só: provar para o consumidor que elas podem fornecer um serviço melhor, mais customizado e mais vantajoso. E a Apple sabe o público que possui, e a marca que detém. Não é algo impensável imaginar que os usuários da Maça não correriam para ter o cartão de titânio dentro da sua carteira.
A questão que se coloca é saber até que ponto a Apple conseguirá levar essa experiência para fora do seu mercado nativo – os Estados Unidos. Se por um lado é esperado que num segundo momento a companhia leve o seu já tão desejado cartão de crédito para o velho continente, por outro, não há uma perspectiva de o mesmo ingressar em mercados emergentes, como é o caso do Brasil. Até porque há vários entraves para que isso de fato ocorra em terras Tupiniquins.
Experiência Nubank
Toda a inovação e comodidade que a Apple propõe levar para os seus usuários por meio do seu cartão de crédito nada mais é do que a experiência que já pode ser encontrada no Brasil com o Nubank. Tanto do ponto de vista de taxas diferenciadas, como também do programa de recompensas e do controle financeiro. Todas essas características já estão disponíveis no produto da fintech brasileira.
Se o Nubank foi uma das primeiras startups brasileiras a obter o título de unicórnio, não por acaso isso tem a ver com a inovação que a mesma trouxe para o público geral, que permanecia refém dos serviços oferecidos pelos bancos. Foi a mudança de hábito do consumidor, e o seu anseio por comodidade e inovação, que levou ao surgimento de um ecossistema de empresas que promoveram novas formas de entender e lidar com dinheiro e soluções de pagamentos.
E isso é particularmente curioso no Brasil. Além do próprio Nubank, outras fintechs mudaram de patamar ao atacar nichos que eram negligenciados pelos bancos: Creditas, GuiaBolso, Neon, PagSeguro, Stone, entre outras. Não por acaso, todas elas são ou serão unicórnios.
A pergunta que se coloca é: como seria para a Apple, enquanto uma empresa com alto poder financeiro, entrar no mercado brasileiro com o seu cartão de crédito e lidar com a concorrência de uma fintech? O próprio Nubank fez algo que até pouco tempo atrás era considerado impensável: fez muitos bancos se modernizarem e criarem soluções melhores de internet banking para seus usuários. Seria a Apple capaz de fazer o mesmo, a despeito da concorrência?
Independentemente dessa resposta, é difícil imaginar a Apple entrar no mercado brasileiro de cartões de crédito sem que o mesmo processo do realizado nos Estados Unidos (parceira com uma instituição financeira tradicional) fosse feito. Além disso, é possível imaginar outras motivações da gigante americana em ingressar no Brasil que vão além da oferta de serviços financeiros.
A entrada da Apple nesse segmento mostra que eles estão mirando em uma área de serviços para tentar driblar a queda de vendas de iPhone e em serviços que funcionam cross-platform e que são cobrados por fora da App Store. Seja como for, o reflexo disso tudo é o poder que acarreta do próprio consumidor e de seus hábitos financeiros.
*Victor Dubugras é Head de Marketing da Hash, fintech especializada em infraestrutura de pagamentos – www.hash.com.br