Desde 2017, o Brasil adota uma norma internacional que deixa de considerar o ato de reportar irregularidades dos clientes como quebra de sigilo.

Em vista da nova regra, contadores e auditores independentes têm até o dia 31 de janeiro para registrar atividades suspeitas.

Com essa medida, o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) pode investigar indícios de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

A seguir, vamos entender melhor essa norma, como ela muda a relação entre o contador e as empresas e como viabilizar essa comunicação na prática.

A necessidade de reportar irregularidade do cliente na contabilidade

A mudança pode parecer pequena, mas é de grande significado para a ética e moral para a atuação de contadores.

Até agora, era dever do profissional zelar pelo sigilo do cliente, ainda que alguma irregularidade ou fraude fosse identificada na gestão fiscal e tributária da empresa.

Ele não era obrigado a compactuar com os desvios nas leis, mas suas observações não saíam dos muros da empresa.

A “Declaração de Não Ocorrência de Operações” tornou-se obrigatória a partir do artigo 11, inciso III, da Lei n.º 9.613/1998.

Já a obrigatoriedade das comunicações que os profissionais contábeis devem fazer ao Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) foi regulamentada pela Resolução CFC n.º 1.530/2017.

A ideia é que o regulamento ofereça aos profissionais de contabilidade, entre eles os auditores independentes, as diretrizes de conduta para situações em que se depararem com erros dos clientes, intencionais ou não.

Assim, contadores e auditores deverão analisar o caso suspeito na gestão fiscal e tributária e, ao confirmarem a infração, poderão fazer uma espécie de denúncia às autoridades competentes.

Antes, porém, mantém-se a obrigação profissional de tentar corrigir a falha, colocando a empresa do cliente novamente no rumo certo.

De acordo com o diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Rogério Garcia, a norma resultará em ganhos importantes para a sociedade do ponto de vista ético.

“Contadores e auditores têm muito a contribuir para que tenhamos um país mais transparente”, diz Garcia em artigo do portal do Ibracon.

O resumo das mudanças no código de ética contábil

O conteúdo da nova norma foi inspirado no Noclar, sigla em inglês para “Obrigatoriedade de Reporte do Não Cumprimento a Leis e Regulações”, que entrou em vigor em julho de 2017 em vários países, inclusive no Brasil.

Confira os principais pontos do regulamento:

O que será alvo de denúncia?

Profissionais de contabilidade devem observar possíveis ações do cliente que infringem a legislação contábil, o que inclui também desvios prestes a serem cometidos.

A norma se refere a atos de omissão, intencionais ou não, contrários aos regulamentos existentes, de responsabilidade de um cliente ou de seus funcionários.

É importante entender que nem todo ato irregular demandará uma denúncia imediata às autoridades competentes. A norma prioriza o combate a operações consideradas graves, como lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

Como o contador deve agir diante de falha ou irregularidade?

Inicialmente, é esperado que o contador se certifique em detalhes sobre a situação, examinando o que vem sendo feito de forma irregular ou fraudulenta na gestão do negócio.

Com todas as informações e documentos reunidos, ele deve conversar com o responsável imediatamente superior à área da empresa na qual o problema foi detectado.

Esse primeiro contato tem caráter preventivo. Ainda que seja necessário cobrar providências do cliente, a ideia é que o contador se coloque como parceiro para ajudá-lo a retificar, remediar ou mitigar as consequências da falha.

Agir com esse nível de bom senso é esperado principalmente nos casos em que não há evidência de dolo, ou seja, não sendo identificado comportamento intencional no desvio legal.

Quais operações devem ser analisadas?

As operações previstas que devem ser analisadas pelos profissionais e organizações contábeis, quando realizadas pelos seus clientes, são:

O contador deve considerar como suspeito, entre outras análises, se essas operações aparentam não ser resultantes da atividade usual do cliente ou cuja origem e beneficiário final não sejam claramente identificáveis.

A quem a denúncia será feita?

A comunicação de operações suspeitas deve ser efetuada diretamente por um sistema desenvolvido e disponibilizado no site do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), na opção “Comunicação de Ocorrência”.

Por outro lado, se não houver operações suspeitas a comunicar durante o exercício, o profissional contábil também deverá fazer a comunicação da não ocorrência (negativa), também com prazo de 1 a 31 de janeiro do ano subsequente.

A decisão sobre a denúncia é exclusiva do contador?

Não. Ele pode solicitar aconselhamento jurídico de um advogado ou orientações de uma auditoria externa antes de tomar qualquer medida.

Também está prevista pelo Noclar a consulta a um órgão regulador ou a uma entidade de classe em caráter confidencial, se julgar necessário.

O contador pode encerrar o vínculo profissional?

Sim. Está previsto também no Noclar que, quando não for possível reduzir as ameaças a um nível aceitável, o contador profissional poderá recusar a continuidade de sua relação com a empresa atendida.

O mesmo pode ocorrer antes de dar início ao relacionamento profissional com um novo cliente e na substituição a outro colega contador em um negócio potencialmente fraudulento.

Relação do contador com o cliente

A nova norma não deve gerar reflexos negativos ou qualquer tipo de apreensão na relação entre os contadores e as empresas.

O profissional da contabilidade continua sendo um parceiro estratégico para que as melhores práticas de gestão sejam adotadas.

Assim, você deve orientar seu cliente para que nenhuma falha aconteça.

É importante que as empresas atendidas por você se conscientizem quanto ao novo momento no país, no qual denúncias, indiciamentos e prisões de políticos e de altos executivos de grandes companhias são um sinal claro de que a corrupção não vale a pena.

O mesmo raciocínio se amplia aos gestores que ainda dão um “jeitinho” para sonegar impostos ou promover o chamado Caixa 2.

Cada vez mais, o profissional de contabilidade tem um compromisso legal e moral de orientar seus clientes a seguirem nos trilhos, mesmo diante de incertezas e dificuldades financeiras.

E diante de um ato ilícito, é seu dever profissional reportar irregularidades do cliente.

Fonte: Jornal Contábil