*Por Bianca Delgado Pinheiro e Tales de Almeida Rodrigues
Conforme divulgado nos principais veículos de comunicação jurídicos, no dia 24/10/2018 a Coordenadoria-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial (COCAJ), órgão vinculado à Secretaria da Receita Federal do Brasil, publicou a Solução de Consulta Interna 13 – COSIT, de 18 de outubro de 2018, orientação a respeito da apuração dos créditos relativos à exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e Cofins, que possui efeito vinculativo no âmbito da Receita Federal do Brasil.
A Receita Federal firmou o entendimento de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e Cofins é o “ICMS a recolher” e não o “ICMS total” destacado em documento fiscal pelo contribuinte (“faz-se necessário que seja segregado o montante mensal do ICMS a recolher, para fins de se identificar a parcela do ICMS a se excluir em cada uma das bases de cálculo mensal da contribuição”), embasando-se, para tanto, no julgamento do Recurso Extraordinário 574.706/PR, submetido ao rito da Repercussão Geral (Tema 69 – “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”), do Supremo Tribunal Federal. Tal entendimento não se apresenta expressamente no julgado, demonstrando o direcionamento da interpretação da Receita Federal à sua conveniência.
Na prática, a interpretação materializada na Solução de Consulta Interna acaba por limitar o montante do ICMS que pode ser abatido pelo contribuinte, na medida em que o ICMS efetivamente recolhido pode sofrer compensações com créditos acumulados em operações que antecedentes.
Neste sentido, a interpretação da Receita Federal apresenta-se demasiadamente equivocada, na medida em que o julgado paradigma não fez qualquer distinção entre “ICMS a recolher” e “ICMS total”, gerando verdadeira insegurança jurídica aos Contribuintes!
E mais, é importante frisar que a forma de apuração do ICMS e, neste sentido, a escrituração de parcela a compensar do imposto, com diferença de “ICMS a recolher” não afasta o entendimento pacificado pelo STF de que a integralidade do imposto não se inclui no conceito de faturamento, pelo que o valor integral do ICMS (parcela a compensar e parcela a recolher) não deve compor a base de cálculo para fins de incidência da contribuição ao PIS e da Cofins.
Isto porque o ICMS incide sobre toda a operação praticada pelo contribuinte e não apenas sobre o valor pago em um dado “momento” da cadeia de consumo. Considerando que todo o valor destacado no documento fiscal tem por destino final — e necessário — os cofres públicos do Estado, não representando, em momento algum da operação tributária ingresso patrimonial na esfera do contribuinte, o ICMS não representa faturamento.
Tal raciocínio coaduna com o princípio da não-cumulatividade, pois seria contraditório dizer que a diferença entre a parcela do “ICMS a recolher” e o “ICMS total” deixaria de compor o custo da mercadoria para ingressar e compor o patrimônio do contribuinte, afinal, se o valor total da exação é necessariamente repassado ao Estado, a distinção feita pela União na COSIT é incompatível com o acórdão da Repercussão Geral.
Não é demais relembrar, outrossim, que um dos principais objetivos dos Embargos Declaratórios opostos pela Fazenda em face da decisão do Recurso Extraordinário visou, dentre outras questões, sanar justamente essa “dúvida”, como tal sobrelevou-se na própria COSIT.
No contexto que se apresenta, sendo sabido que o Supremo Tribunal Federal demorou mais de dez anos (entrada do Recurso no STF em 13/12/2007) para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, a interpretação fazendária su-plantou verdadeira insegurança jurídica aos contribuintes, especialmente para aqueles com ações já transitadas em julgado.
A interpretação, além de reduzir o montante do crédito fiscal, importa em risco de glosa de pedidos de compensação do indébito tributário, sem falar que muitas empresas serão afetadas em razão de já terem provisionado o valor afeto ao crédito fiscal em seus registros contábeis.
Apesar de tudo, não podemos atribuir à União a “responsabilidade-única” por su-plantar tal insegurança jurídica aos contribuintes que contaram e festejaram o resultado da Repercussão Geral. Bem verdade é que o próprio Supremo Tribunal Federal, por meio de uma postura passiva e omissiva, ao deixar, até então, de retomar o julgamento da Repercussão Geral com a apreciação dos Embargos Declaratórios, foi quem consentiu o desconforto-tributário (alguns chamando até de “fake news tributária”) revigorado com a publicação da Solução de Consulta.
Não devemos nos olvidar que o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, em especial a segurança jurídica, deve privilegiar a prática da eficiência da função jurisdicional (artigo 5º, inciso LXXVIII). O referido princípio-norma recomenda que, sendo a função jurisdicional um monopólio do Estado, cabe a ele prestar o serviço jurisdicional de forma eficiente.
Assim, apesar da melhor interpretação ter sido prolatada em coerência com o sistema jurídico-tributário, ao deixar de se posicionar em definitivo, deixou espaço indemarcado para a União impor, atropeladamente, o seu posicionamento (fundada nitidamente em interesse econômico), antes mesmo do julgamento dos Embargos Declaratórios.
A ausência de julgamento definitivo do tema acabou por “só-negar” o direito-expectativa gerado pela Repercussão Geral, que restou, por consequência, atomizado com publicação da Solução de Consulta Interna, restando asseverado, portanto, a necessidade da função jurisdicional ser retomada de forma eficaz, tal como é prometido pela Constituição Federal.
Diante deste contexto, considerando que a melhor interpretação já foi oferecida pela Suprema Corte, espera-se uma solução em definitivo da Repercussão Geral, ratificando a súmula do julgamento, sem qualquer ressalva/limitação, de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”, tornando eficaz o julgado.
*Bianca Delgado Pinheiro é coordenadora do Departamento Tributário de Décio Freire Advogados. Professora de Direito Tributário em cursos de Pós-graduação. Ex-conselheira no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF/MF (2011/2014).
*Tales de Almeida Rodrigues é advogado tributarista no Décio Freire Advogados. Mestrando em Direito Público pela PUC Minas.
Fonte: Conjur