Decifrando a MP da Liberdade Econômica

Decifrando a MP da Liberdade Econômica.
No último dia 20 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP 881/2019) – um dos carros-chefes do Governo Federal no segundo semestre – que havia sido aprovada pelo Senado no fim de agosto.

Para abordar o tema, que trará importantes mudanças para o cotidiano das empresas, e desmistificar alguns pontos relativos a nova lei, preparei um artigo discutindo os principais tópicos sobre a nova norma, a qual muitos veículos estão batizando de minirreforma trabalhista.

Mas será que estamos, de fato, diante de uma minirreforma?     



O escopo da Lei Nº 13.874/19

O principal propósito da MP da Liberdade Econômica, consiste em desburocratizar processos e melhorar o ambiente de negócios para novos empreendedores, trazendo mais segurança jurídica para as futuras empresas.

Dentro deste contexto, a Lei Nº 13.874, sancionada a partir da MP 881/2019, traz uma série de mudanças relevantes nos âmbitos trabalhista, civil, empresarial, objetivando, segundo o Artigo 1º da nova lei, estabelecer “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”.

Em entrevista recente, Bolsonaro comentou que a Lei da Liberdade Econômica é um importante passo “para as pessoas se encorajarem e tenham segurança jurídica para ter a sua empresa”. De acordo com o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, a nova norma federal tem potencial para gerar 3,7 milhões de empregos em um espaço de 10 anos e aumentar nosso PIB em cerca de 7%.

Os principais pontos da MP da Liberdade Econômica

A seguir, listo um resumo das principais mudanças que foram sancionadas a partir da MP da Liberdade Econômica, conforme divulgado pela Agência Brasil, do Governo Federal:

O registro de ponto, com as descrições de entrada e saída de funcionários, passa a ser obrigatório somente para empresas com mais de vinte funcionários (na legislação anterior, empresas com 10 funcionários precisavam fazer este registro);

Quando há acordo individual ou coletivo junto a empresa, será permitido o chamado registro de ponto por exceção, no qual o trabalhador precisa registrar, somente, os horários não-coincidentes com sua jornada padrão;

Fica extinta a obrigatoriedade de alvará de funcionamento para atividades de baixo risco, ficando a cargo do Executivo tal definição – desde que já tenha sido definida pelos poderes distritais, municipais ou estaduais;

Fica extinto o e-Social, o qual será substituído, segundo prevê a nova lei, por um sistema mais simples que unificará, digitalmente, obrigações previdenciárias e trabalhistas;

Um dos pontos mais comentados da Lei Nº 13.874 diz respeito a substituição das carteiras de trabalho físicas (que agora, passarão a ser emitidas apenas em caráter excepcional), por carteiras emitidas, de modo preferencial, por meio eletrônico, sendo o CPF o dado de identificação dos trabalhadores;

Feita a admissão de um novo colaborador, a empresa terá até 5 dias úteis para fazer as anotações na carteira de trabalho, que terá acesso às informações em um intervalo de 48 horas;

A nova lei também afere que documentos públicos digitais terão o mesmo valor jurídico que documentos originais;

Outro ponto importante da Lei Nº 13.874 diz respeito a criação do conceito de abuso regulatório, que ocorrerá sempre que o Poder Público editar uma norma em prejuízo da exploração da atividade econômica ou da concorrência no livre-mercado. A lei cita ainda exemplos que se enquadram na figura do abuso regulatório, como: criação de reservas de mercado em favor de um grupo econômico; criação de barreiras para a entrada de competidores em um mercado, sejam eles nacionais ou estrangeiros; exigência de especificações técnicas desnecessárias para uma determinada atividade econômica; criação de demanda artificial ou forçada para produtos e serviços; barreiras para formação de sociedades ou atividades que não ferem a legislação.

A partir da nova lei, foram sancionadas novas normas para a desconsideração da personalidade jurídica (mecanismo legal estabelecido no Código Civil de 2002 que abre espaço para que os sócios de uma empresa, por exemplo, sejam responsabilizados como pessoas físicas pelas dívidas da companhia): fica proibida a cobrança de dívidas de uma empresa de um mesmo grupo econômico, quando o intuito é saldar as dívidas de outra companhia pertencente ao grupo; o patrimônio de sócios de uma empresa passa a ser separado do patrimônio empresarial, para os casos de falência ou execução de dívidas – o mesmo vale para associados, administradores e afins, exceção feita para os casos que há intenção explícita de fraude Tal modificação pode alcançar inclusive a esfera trabalhista no que tange a débitos oriundos da relação de emprego, arguidos em fiscalização e reclamação trabalhista e com posterior desconsideração da personalidade jurídica;

O texto altera também outro trecho do Código Civil, relacionado aos negócios jurídicos. Segundo a nova norma, as partes de um negócio poderão definir, livremente, a interpretação de acordos, mesmo que diferindo das regras previstas na legislação;

Tanto o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal –, quanto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), terão poderes para editar súmulas e vincular atos normativos dos dois órgãos;

A Lei Nº 13.874 criou uma série de regras referentes aos fundos de investimento, incluindo, por exemplo, o fato de que o registro dos regulamentos dos fundos de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários é condição suficiente para garantir a sua publicidade e a liberdade do Fundo para estabelecer a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas; além de outra série de regras para o registro, elaboração de regulamentos e para os pedidos de insolvência de fundos;

Foi também extinguido o antigo Fundo Soberano, criado com o superávit primário de 2018 e que estava vinculado ao Ministério da Economia.

Quais foram os pontos vetados?

Ao sancionar a MP 881/2019, o Presidente Jair Bolsonaro vetou quatro trechos da proposta, incluindo seção que permitiria o uso de cobaias humanas sem qualquer protocolo de proteção, o que, nas palavras do Presidente, “viola não só a constituição, mas os tratados internacionais para os testes de novos produtos”. Outro trecho vetado foi o da aprovação automática de licenças ambientais.

Por fim, a pedido de Paulo Guedes, Bolsonaro vetou dispositivo para a criação de um regime tributário fora do direito tributário, além de vetar trecho que previa a entrada da Lei em noventa dias – com o veto, a Lei da Liberdade Econômica passou a valer a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, dia 20 de setembro.

Conclusão: a MP é uma minirreforma trabalhista? Como as empresas devem se preparar?

Para concluir, é importante desmistificarmos um ponto central sobre a Lei Nº 13.874. Seria ela, de fato, uma minirreforma trabalhista?

Analisando os pontos centrais da norma, parece exagero tal afirmação. Primeiro porque, embora traga, sim, novidades importantes para o âmbito do direito trabalhista, a Lei da Liberdade Econômica acaba abarcando um espectro mais amplo que envolve direito civil, previdenciário, contábil e as normas que regem a atividade econômica e o empreendedorismo no país.

Além disso, os pontos que atingem a esfera trabalhista (registros de ponto, carteiras de trabalho digitais, extinção do e-Social) muito mais do que interferir em direitos centrais do trabalhador, tem o intuito de simplificar processos burocráticos e otimizar as rotinas de contratação.

É importante salientar ainda que há discussões, tanto no Governo Federal quanto na oposição, sobre a possibilidade de novas reformas trabalhistas, estas sim, podendo trazer transformações mais significativas para o universo das relações de trabalho no Brasil – no entanto, ainda há poucas informações concretas e precisamos acompanhar os próximos passos deste debate.

Neste sentido, o fundamental é que as empresas fiquem atentas as mudanças gerais propostas pela Lei Nº 13.874 que, embora, a médio prazo, podem, sim, trazer benefícios no âmbito da simplificação de processos e maior incentivo a atividade econômica, no início, podem gerar dúvidas que devem ser esclarecidas com especialistas, para que não haja maiores transtornos.

Por fim, é importante que a sociedade acompanhe os efeitos da nova lei, para verificar se ela conseguirá cumprir seus objetivos de estimular a economia e atividade empreendedora no país, fatores estes, essenciais para o nosso desenvolvimento.

*Dhyego Pontes é consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.Sobre a Grounds: A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira.

Fonte: Jornal Contábil.