O montante devido tem relação com a “parafernália do sistema tributário brasileiro”

Acompanhamento do instituto revela que 95 das 444 empresas listadas pela Bovespa são devedores da Receita, já em processo de dívida ativa

Curitiba – “Devo, mas existo e negocio ações na BM&F Bovespa”. Da filosofia de Descartes para a situação financeira e tributária das grandes empresas brasileiras, o trocadilho serve de síntese do diagnóstico do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação). A terceira edição do estudo realizada pelo instituto sobre governança tributária das empresas que estão na bolsa de valores constatou que das 444 empresas listadas na BM&F Bovespa (Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo), em 2017, 95 (21,4%) estão em situação de dívida ativa tributária com a União. Essa classificação de devedora da União só ocorre quando as empresas elencadas não apresentam qualquer tipo de parcelamento, recursos, impugnações ou depósito judicial que suspenda a obrigatoriedade de saldar o crédito tributário devido.

Em termos estaduais o levantamento do IBPT aponta um aspecto positivo: das 13 paranaenses com ações negociadas na Bovespa, nenhuma se encontrava em dívida ativa tributária no site da Procuradoria-Geral da Fazenda, em 27 de dezembro de 2017, data em que foram coletadas as informações para o estudo.

“Nossa percepção é que deter o melhor índice de governança tributária para um Estado, com nenhuma empresa devedora, sinaliza que de fato há uma cultura de gestão e planejamento corporativo e tributário mais condizente com a legalidade e a responsabilidade social necessárias ao bom ambiente de negócios de qualquer País”, avalia a advogada tributarista, vice-presidente do IBPT e diretora do IBPT Educação, Letícia Amaral.

O dado paranaense, no entanto, não diminui o problema. Das 95 empresas devedoras, 40 apresentam algum nível de governança destacado pelos critérios adotados pela BM&F Bovespa para diferenciar níveis de governança corporativa.
Das classificadas como novo mercado, por exemplo – que teve a primeira listagem em 2002 e se tornou um padrão de referência em termos de transparência -, 24 estão em situação de dívida ativa tributária. “Em meio a todo um movimento mundial em prol de compliance nas operações, esse descompasso entre governanças corporativa e tributária é um tiro no pé, pois ameaça a própria existência das empresas que vão empurrando o problema esperando por um processo de parcelamento. Não faz sentido manter uma cultura de gestão reativa, ao invés de agir preventivamente e preditivamente desde o início das atividades do negócio e usando o planejamento até a favor de pagar de forma legal menos tributos”, orienta.

PARCELAMENTOS 

O efeito dos parcelamentos concedidos pela União também se mostram menos eficazes com a crise. O dado de 2017, com 21,4% em processo de dívida ativa, foi consolidado no patamar de dois dígitos mesmo com o advento do Pert(Programa Especial de Regularização Tributária), instituído pela MP 783/2017 e Lei nº 13.496/2017.

Em 2009, quando o IBPT produziu o primeiro estudo, 29,11% das empresas estavam em processo de cobrança pela Procuradoria-Geral da Fazenda. Na segunda edição do estudo, em 2011 o índice caiu para 2,05%, graças à adesão da maioria das corporações ao Refis (Programa de Recuperação Fiscal), instituído pela Lei nº 11.491/2009. “São bilhões em dívidas e mais outros tantos milhões em honorários para reverter quadros que nem sempre são passíveis de reversão; prova disso foram os casos infelizes de corrupção no próprio Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que foram mostrados com a deflagração da operação Zelotes em 2015”, lamenta a vice-presidente do IBPT.

Ela acredita que três são os caminhos para fazer da governança tributária um catalisador de oportunidades. “Fazer uso dos incentivos fiscais de forma lícita, alterar procedimentos contábeis e comerciais com menor tributação e fazer uso de teses tributárias no campo jurídico”, resume.

“PARAFERNÁLIA” 
O montante de R$ 500 bilhões devidos em tributos por grandes empresas à União, segundo o IBPT, tem relação direta com a “parafernália do sistema tributário brasileiro”, no entendimento do presidente do Sescap-PR (Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado do Paraná), Alceu Dal Bosco. 

“As empresas perdem parte do tempo de operação e dos investimentos com os departamentos jurídico e contábil, ao invés de concentrar esforços na performance do próprio negócio, por não terem tranquilidade de trabalhar. Costumo dizer que já é uma dificuldade fazer planejamento anual no Brasil, uma vez que o governo muda tudo na metade do tempo, com o jogo em andamento”, critica.

Para ele a cultura de aguardar o Refis foi gerada por conta disso e acabou se constituindo como estratégia de muitas organizações para sobreviver a um cenário de dificuldade econômica, alta complexidade e perversidade do sistema.