modulação processos tributários

Se levada em conta apenas a estatística do Supremo Tribunal Federal (STF), seriam pequenas as chances de os ministros aplicarem apenas para o futuro a decisão que excluiu o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. A medida só foi adotada três vezes desde que a Corte, no ano de 2006, passou a admitir a chamada modulação de decisões para os recursos  extraordinários – o entendimento firmado valeria apenas para o futuro ou outra data fixada pelos ministros.

O STF recebeu 25 pedidos de modulação de decisões sobre questões tributárias. Os ministros negaram 17 e aplicaram a modulação em oito casos apenas. Mas em apenas três destes, aqueles que já tinham ações em andamento não puderam pedir a devolução do que pagaram a mais no passado.



A modulação é um dos pontos mais sensíveis da chamada “tese do século”. O ministros decidiram por excluir o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins em março de 2017. Em outubro daquele ano a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou embargos contra a decisão, que ainda não foram julgados (RE 574.706).

Nesse recurso, a PGFN pede para que os ministros modulem os efeitos da decisão para janeiro de 2018 – ou seja, só tenha efeito a partir desta data. O órgão alegou, dentre outros pontos, questões orçamentárias. Uma das razões seria a inclusão do passivo gerado no orçamento da União, o que só ocorreria, por meio de lei, no ano seguinte ao do julgamento. A estimativa da PGFN, considerada excessiva por especialistas, é de R$ 250 bilhões

Em junho, a Procuradoria-Geral da República publicou parecer com posicionamento rigoroso, do ponto de vista do contribuinte, sobre a modulação da decisão. A procuradora-geral, Raquel Dodge, que assina o documento, defende a modulação a partir do julgamento dos embargos de declaração.

Ainda não há uma data estabelecida e divulgada pela presidência do Supremo para que isso ocorra. A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, liberou o recurso para julgamento no dia 3 de julho. O presidente, ministro Dias Toffoli, chegou a incluí-lo na pauta do plenário virtual, mas não teve andamento.

A expectativa de advogados é que os embargos da PGFN sejam incluídos na pauta desta semana. “Porque todos os outros casos da mesma pauta do plenário virtual que também não foram julgados estão previstos entre o dia 16 e o 22. É um raciocínio lógico, mas não confirmado”, diz um tributarista que acompanha o tema.

O recurso da PGFN não está na pauta da próxima quarta. Os julgamentos de quinta-feira, no entanto, ainda não foram divulgados. Consta no site do STF que a “sessão será composta por processos remanescentes das sessões anteriores e demais feitos urgentes liberados pelos respectivos relatores” – o que dá força às especulações.

As decisões proferidas pela Corte, em regra, tem efeito ex tunc, ou seja, produzem efeitos desde o momento do nascimento da norma que foi declarada inconstitucional. E, nesse caso, todos os contribuintes – com ou sem ação ajuizada antes da decisão – podem ingressar com novos processos e pedir o reembolso pelos pagamentos indevidos no passado.

Se houver modulação, no entanto, há duas possibilidade: permitir que apenas aqueles que já tinham ação em andamento sejam reembolsados, situação mais comum, ou vetar a devolução dos valores para todo mundo.

É por isso que há apreensão do mercado em relação ao julgamento sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. A discussão em torno do assunto tem quase duas décadas e as empresas contam com os créditos decorrentes da disputa. Há casos de companhias que já tiveram ações encerradas e estão compensando os créditos do passado para quitar tributos.

As estatísticas sobre a modulação foram levantadas pelos advogados Leonel Pittzer e Ariel Möller e apresentadas por Pittzer no Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico e Social (CEDES), no Rio de Janeiro. Os advogados chamam a atenção para o fato de os três casos em que houve a modulação serem peculiares. “Dois deles, por exemplo, não envolveram repetição de indébito”, diz Pittzer.

Um deles é a ADI nº 4171, julgada em 2015, que tratou da incidência do ICMS sobre álcool combustível misturado à gasolina. A discussão envolvia a repartição da receita tributária entre Estados – não havia o contribuinte, na ponta, buscando a devolução de valores. Os ministros aplicaram a modulação pelo impacto que a decisão teria na arrecadação dos Estados.

O outro caso é a ADPF nº 190, de 2016, sobre a redução da base de cálculo do ISS. Os ministros proibiram os municípios de conceder benefício fiscal em que o valor a ser recolhido pelo contribuinte fosse menor do que a alíquota mínima fixada pela Lei Complementar nº 116, de 2003.

Já o terceiro caso (ADI nº 3106), de 2015, se aproximaria mais da tese do ICMS no cálculo do PIS e da Cofins. Isso por envolver ações de contribuintes com pedidos de devolução dos pagamentos indevidos. Ainda assim, os processos são bem diferentes. Principalmente pela abrangência das duas teses.

Na ocasião, o STF decidiu sobre uma cobrança compulsória imposta por Minas Gerais aos servidores. A arrecadação serviria para o financiamento de atendimento à saúde – o que, na visão dos ministros da Corte, só poderia ocorrer de forma voluntária. Para os magistrados, a decisão não poderia ter efeito retroativo, com a devolução do valor pago pelos servidores, pois os serviços relativos à saúde haviam sido prestados.

Especialista em direito tributário, Carlos Eduardo Orsolon, do escritório Demarest, entende que a modulação deve ocorrer apenas em casos excepcionais. Na hipótese do ICMS sobre o PIS e a Cofins, diz, dada a demora para o julgamento dos embargos, a aplicação poderia gerar muita confusão. “Nos últimos dois anos muitas ações tiveram trânsito em julgado e os contribuintes já começaram a usar os créditos”, afirma.

Além da modulação, o recurso da PGFN aborda outro tema que tem causado inquietação no mercado. A Fazenda questiona qual ICMS deve ser excluído do cálculo: se o destacado na nota, como entendem os contribuintes, ou o efetivamente recolhimento, que geralmente tem valor menor. A discussão terá impacto direto no valor dos créditos.

Esse tema também está no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Quatro processos foram destacados para que o relator, após sorteado, avalie a possibilidade de julgamento em repetitivo.

Por Joice Bacelo | De Brasília