petições pedem adiamento do Enem e redução do salário de políticos

Petições pedem adiamento do Enem e redução do salário de políticos.
Protestos de milhares de pessoas nas ruas já não são recomendados enquanto a distância social é um cuidado básico contra a Covid-19. Ainda assim, de casa, brasileiros têm reivindicado ações de combate do poder público à pandemia de coronavírus por meio das petições online.

Só na plataforma de abaixo-assinados Change.org Brasil, o número de petições criadas aumentou 162% desde que o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no Brasil, em 26 de fevereiro, em relação ao mesmo período do ano passado. Atualmente, o site hospeda 3.340 petições sobre causas relacionadas à pandemia, o que representa mais da metade do total de petições em aberto na plataforma.

Duas das mais populares miram o bolso dos parlamentares e partidos políticos: com cerca de 1,4 milhão de assinaturas, a petição com mais adeptos pede que o fundo eleitoral partidário de R$ 2 bilhões seja redirecionado ao combate ao coronavírus no Brasil — o que já foi criticado pelo presidente do senado, Davi Alcolumbre (DEM). Outra iniciativa, com cerca de 245 mil assinantes, quer que metade do salário de deputados, senadores e assessores parlamentares seja utilizada contra a pandemia.

De Belo Horizonte, partiu a iniciativa de uma estudante para pressionar o governo a adiar a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcada para novembro deste ano. Elisa Teixeira, 20, estuda em um cursinho para pleitear uma vaga na turma de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela tem tido suporte do cursinho e dos pais para manter os estudos mesmo durante a pandemia, mas argumenta que não é possível manter a data do Enem em um país onde nem todos os estudantes têm o mesmo acesso à internet que ela para se inserir na educação à distância. 

Outras 211 mil pessoas parecem concordar com Elisa e assinaram a petição criada por ela. Além do abaixo-assinado, ela iniciou o perfil Adia Enem nas redes sociais e um site, com ajuda da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Nacional dos Estudantes (Une). 

Para esta sexta-feira (15), planeja um “tuitaço” com a hashtag #AdiaEnem. “É dia nacional pelo adiamento do Enem. Vai ser parecido com o que fizemos quando houve cortes na educação, mas virtual”, diz Elisa, referindo-se aos protestos de estudantes em 2019. Ela diz que adeptos ao movimento costumam comentar a hashtag em perfis do ministro da Educação, Abraham Weintraub, o que teria feito com que ele bloqueasse a página do movimento.

“Os atos virtuais são muito importantes, porque temos acesso a todos os lugares do mundo e ganhamos visibilidade. Todo mundo sabe que o Enem provavelmente vai ser adiado, o que impede é o ego do ministro da Educação”, comenta Elisa.  

Como petição online, projeto prevê salário de parlamentares para combate à pandemia

Um Projeto de Decreto Legislativo do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição, é um dos que propõem redução do salário de parlamentares para ajudar a combater a Covid-19. Ele estipula que metade dos vencimentos dos políticos sejam destinados a ações do Ministério da Saúde durante o período de calamidade pública, até 31 de dezembro deste ano.  

Considerando que cada um dos 594 parlamentares do Congresso Nacional recebe um subsídio mensal de R$ 33.763, isso significaria um acréscimo de R$ 70 milhões no combate à doença, se o decreto entrasse em vigor no próximo mês. 

O advogado Fabrício Duarte, especialista em direito constitucional, tem dúvidas se a medida não esbarraria em inconstitucionalidade, uma vez que não é permitido reduzir os vencimentos de funcionários públicos. Outra alternativa, ele aponta, é que os políticos doem voluntariamente parte do salário, pressionados por iniciativas como as petições — o que ele não considera provável, mas possível. 

“A política é como nuvem: uma hora, você olha e ela está de um jeito; na outra, mudou. As petições e as redes sociais trouxeram essa pressão direta sobre os parlamentares”, avalia.  

Sem efeito jurídico, petições online servem como pressão popular

“O fato de conseguir 1 milhão de assinaturas não obriga o poder público a tomar determinada atitude”, pontua o advogado Fabrício Duarte. Ele explica que os abaixo-assinados, digitais ou no papel, não têm validade jurídica, mas podem ser instrumentos para pressionar decisões pelo poder público. 

Duarte ressalta que as petições são diferentes dos Projetos de Lei de Iniciativa Popular, estes, sim, que obrigam avaliação do governo. Eles são textos nos padrões de Projetos de Lei — que estabelecem mudanças de determinados artigos legais, por exemplo — que, no âmbito nacional, precisam da assinatura de pelo menos 1% do eleitorado, distribuídos por, no mínimo, cinco Estados. Conquistadas as assinaturas, o projeto segue os trâmites legislativos como aqueles propostos por parlamentares. 

Até hoje, quatro iniciativas do tipo tiveram êxito, entre elas, a Lei da Ficha Limpa, mas modificadas pelos políticos antes de serem sancionadas. O “pacote anticrime” aprovado em 2019 também tem origem em um texto de iniciativa popular de 2015, defendido pelo Ministério Público. 

Por não envolverem necessariamente uma participação ativa nas ruas, as petições online ganham críticos. Mas a diretora-executiva da Change.org Brasil, Monica Souza, rebate: “O ativismo de sofá está mudando o mundo e ditando o comportamento político”.

Ela cita petições que acredita ter causado efeitos, como o abaixo-assinado digital de 4,5 milhões de assinaturas entregue ao ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que criou uma comissão externa para avaliar políticas públicas ambientais no mesmo dia, em setembro de 2019. 

Conteúdo Original: jornal O Tempo