compliance na relação entre o Fisco e o Contribuinte

Um tema que tem ganhado cada vez mais popularidade em nossos dias é o termo compliance. Em linhas gerais, compliance é um termo técnico que engloba a política e o conjunto de métodos que garante a atuação da empresa em conformidade com as normas estabelecidas. Nesse texto, trataremos mais especificamente de compliance na relação entre o Fisco e o Contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica.

Ainda sob essa mesma luz, abordaremos também a possibilidade de os agentes do Poder Público exigirem a apresentação de extratos bancários sem a necessidade de autorização judicial durante a fiscalização. Muitas vezes conflituosa, a relação entre Fisco e contribuinte pode ser muito harmônica se observadas regras simples de condutas por ambas as partes.



 Compliance e a fiscalização

Primeiramente, é importante lembrar que todo agente do Fisco deve apresentar, no primeiro ato perante a empresa, uma autorização da Fazenda Pública para o início de qualquer procedimento fiscal. No âmbito federal este documento é denominado Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal. Já em âmbito estadual e municipal são comumente chamados de mandado ou ordem de serviço.

No caso da Receita Federal, salvo raríssimas exceções, o auditor-fiscal somente pode iniciar o procedimento fiscal perante algum contribuinte, seja pessoa jurídica ou física, após a emissão de uma autorização formal do chefe da unidade à qual ele está lotado, chamada de Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal, ou simplesmente TDPF.

O TDPF contém a identificação do contribuinte com nome/razão social, CPF/CNPJ, endereço, tributo e período a ser verificado, identificação do servidor responsável e de seu supervisor imediato, endereço para correspondência e telefone da repartição.

Além disso, em seu primeiro ato perante o contribuinte sob fiscalização, o auditor-fiscal deve fornecer uma senha de acesso que, em conjunto com o CNPJ do fiscalizado, permite a checagem da autenticidade do procedimento fiscal. O principal objetivo dessa senha é coibir práticas de falsos fiscais que no passado ousavam praticar crimes de extorsão ou estelionato.

Assim, ao receber uma intimação do Fisco, o contribuinte deve de imediato checar as informações da fiscalização, nome dos servidores e demais dados diretamente na internet para se certificar de sua procedência.

PARA CHECAR AS INFORMAÇÕES DA FISCALIZAÇÃO
AUTORIZAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICATermo de Distribuição de Procedimento Fiscal, mandado ou ordem de serviço.
AUTORIZAÇÃO FORMAL DO CHEFE DA UNIDADE À QUAL ESTÁ LOTADOTermo de Distribuição de Procedimento Fiscal (TDPF)
SENHA DE ACESSO
CHECAR AS INFORMAÇÕES DA FISCALIZAÇÃO(Nome dos servidores e demais dados)

 Diferença entre Fiscalização e Diligência

Outro aspecto de suma importância que deve ser observado por contribuintes sob procedimento fiscal é saber se o procedimento é uma mera diligência ou efetivamente uma fiscalização.

Diligências, segundo a Portaria RFB nº 6.487, de 2017, são procedimentos fiscais de simples coletas de dados e informações inclusive em relação a terceiros. (Portaria RFB nº 6.478, de 2017, art. 3º inciso II)[1].

Em contrapartida, fiscalizações são procedimentos fiscais que tenham como objetivo verificar o cumprimento das obrigações tributárias relativas aos tributos administrados pela RFB e a aplicação da legislação do comércio exterior, dentre outros assuntos, e que possam resultar em autos de infração. (Portaria RFB nº 6.478, de 2017, art. 3º inciso I).

É importante observar que uma fiscalização sempre tem como escopo um ou mais tributos e um período em referência, sendo que a documentação solicitada pelo fiscal deve estar em consonância com este objetivo. Por exemplo, no curso de uma fiscalização em que se intente verificar a regularidade do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica relativa ao ano de 2016, não é plausível que se solicite dados relativos ao anos-calendário de 2018. A documentação a ser solicitada deve guardar total correspondência com o escopo da ação fiscal.

 A questão dos extratos bancários

Um outro assunto que gera muitas dúvidas é quanto ao fornecimento de extratos bancários. A partir de 2001, o art. 6o da Lei Complementar nº 105 passou a permitir o acesso aos dados bancários sem a necessidade de autorização judicial. Todavia, há diversos aspectos fundamentais dessa lei que precisam ser observados.

Primeiramente, o acesso administrativo. Somente é permitido o acesso aos dados bancários sem autorização do poder judicial quando existe processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e o exame de tais documentos seja considerado indispensável pela autoridade administrativa competente.

 Acesso administrativo aos dados bancários (decreto de 2001)

O Decreto Federal nº 3.724 de 2001, que regulamentou o acesso administrativo aos dados bancários, estabeleceu as situações em que a análise dos extratos bancários é considerada indispensável em seu artigo 3o:

I – subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;

II – obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;

III – prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país com tributação favorecida ou beneficiária de regime fiscal de que tratam os art. 24 e art. 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996

IV – omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;

V – realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;

VI – remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;

 VII – previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;

VIII – pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:

  1.  a) cancelada;
  2.  b) inapta, nos casos previstos no 81 da Lei no 9.430, de 1996;

IX – pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou com inscrição cancelada;

X – negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;

XI – presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato

XII – intercâmbio de informações, com fundamento em tratados, acordos ou convênios internacionais, para fins de arrecadação e fiscalização de tributos.

Assim, somente nas hipóteses acima listadas é que a fiscalização pode ter acesso aos extratos bancários sem autorização judicial.

Cumpre esclarecer que nas hipóteses de I a VI, os extratos são considerados indispensáveis e, portanto, é permitido o acesso aos dados bancários sem autorização judicial se, e somente se, a movimentação financeira for superior a dez vezes a renda disponível declarada ou o valor de mercado dos bens sob análise.

 Dados que o Fisco pode requisitar

Convém salientar também que os dados de informações bancárias que o Fisco pode requisitar sem autorização judicial junto às instituições financeiras são limitados a dois tipos:

1) valores individualizados de débito e crédito (documento conhecido popularmente como extratos bancários); e

2) ficha cadastral do fiscalizado perante o banco. Em ambos os casos, os documentos precisam estar enquadrados nas hipóteses dos incisos VII a XI listados acima.

É importante observar também o que diz a Lei nº 9.430 de 1996, um dos principais instrumentos usados nas requisições administrativas de movimentação financeira. Somente na presença de uma das situações elencadas no art. 33 dessa lei é que o acesso aos dados bancários sem autorização judicial é possível.

 Instrumentos usados nas requisições administrativas

I – embaraço à fiscalização, caracterizado pela negativa não justificada de exibição de livros e documentos em que se assente a escrituração das atividades do sujeito passivo, bem como pela não fornecimento de informações sobre bens, movimentação financeira, negócio ou atividade, próprios ou de terceiros, quando intimado, e demais hipóteses que autorizam a requisição do auxílio da força pública, nos termos do art. 200 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966;

II – resistência à fiscalização, caracterizada pela negativa de acesso ao estabelecimento, ao domicílio fiscal ou a qualquer outro local onde se desenvolvam as atividades do sujeito passivo, ou se encontrem bens de sua posse ou propriedade;

III – evidências de que a pessoa jurídica esteja constituída por interpostas pessoas que não sejam os verdadeiros sócios ou acionistas, ou o titular, no caso de firma individual;

IV – realização de operações sujeitas à incidência tributária, sem a devida inscrição no cadastro de contribuintes apropriado;

V – prática reiterada de infração da legislação tributária;

VI – comercialização de mercadorias com evidências de contrabando ou descaminho;

VII – incidência em conduta que enseje representação criminal, nos termos da legislação que rege os crimes contra a ordem tributária.

Logo, é fundamental verificar a existência ou não de tais situações e se elas verdadeiramente autorizam o acesso administrativo aos dados de movimentação financeira de acordo com todos os dispositivos legais já mencionados.

Mesmo com todas essas disposições legais, é oportuno destacar que o Fisco somente pode requisitar os dados bancários mediante recusa do contribuinte de fornecer os extratos após intimado para tal.

Convém lembrar também que pessoas físicas não estão obrigadas a fornecer os dados bancários e extratos em meio magnético, e que a norma que disciplina o leiaute de fornecimento dos dados bancários, a Carta Circular BACEN nº 3.454, de 2010, é endereça às instituições financeiras, pois somente elas detêm os dados no formato exigido pelo Fisco. Ao contribuinte, portanto, basta o fornecimento dos extratos em meio físico.

 Outros aspectos de Compliance

Além disso, é importante se atentar para outros aspectos não menos importantes, sobretudo quanto à relação interpessoal entre representantes das empresas e agentes do Fisco.

O Fisco tem o direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, e os contribuintes devem exibi-los. Somente estão a salvo desta obrigatoriedade de prestação de informações fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. (arts. 195 e 197 do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 1966).

Os prazos estabelecidos para atendimento às solicitações do Fisco precisam ser cumpridos, pois o não atendimento dos prazos, em geral, implica em multa. Convém mencionar também que o prazo para cada tipo de intimação é estabelecido em lei e via de regra são razoáveis e condizentes com a complexidade das informações requisitadas. Havendo a necessidade de dilação de prazo esta deve ser requerida dentro do prazo legal para resposta à intimação.

Por fim, cumpre ressaltar que nos termos da Constituição Federal vigente, aos processos administrativos é assegurado a existência de contencioso administrativo, independente de taxas, e a representação por advogado não é obrigatória. Havendo divergências quanto ao apurado pela fiscalização, há no Brasil em todos os entes federados, instâncias de discussão administrativas dos autos de infração. Cerca de um terço dos autos de infração que são julgados em instâncias administrativas em matéria tributária são objeto de algum tipo de reforma pelas instâncias julgadoras.

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O Compliance na relação entre o contribuinte e o Poder Público se manifesta não apenas no aspecto do Fisco garantindo o funcionamento adequado das empresas, mas também na existência do próprio contencioso administrativo, ferramenta através da qual o contribuinte busca a correta aplicação das normas às quais está sujeito. Para mais informações procure orientação de um profissional especializado no atendimento a demandas da fiscalização.

[1] Portaria RFB no 6.478/2017: Art. 3º Para fins do disposto nesta Portaria, entende-se por procedimento fiscal: […] II – de diligência, ações que tenham por objeto a coleta de informações ou outros elementos requeridos pelo sujeito passivo ou de interesse da administração tributária, inclusive para atender exigência de instrução processual, e que possam resultar em constituição de crédito tributário ou aplicação de sanções administrativas por não atendimento à intimação no curso do procedimento de diligência efetuada por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

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