Os covenants e a contabilidade

Os covenants e a contabilidade.
Os covenants são disciplinas financeiras impostas pelas instituições financeiras com o objetivo de estabelecer determinados limites e/ou regras, com o objetivo de mitigar os riscos quanto ao recebimento dos recursos emprestados às empresas. Ao impor certos limites, essas disciplinas fazem com que os gestores tomem cuidados e adotem estratégias adequadas para não quebrá-las, evitando assim o vencimento imediato/antecipado do empréstimo obtido.

São diversos os tipos de covenants/disciplinas que estão inseridos nos contratos e que podem ser financeiros e/ou não financeiros. Como exemplo, podemos citar:

Covenants financeiros

a) Não ultrapassar determinada relação/índice de EBITDA/Dívida.

b) Manter índices mínimos de liquidez.

c) Não ultrapassar determinado valor de dívida bruta.

d) Não emprestar os recursos captados para partes relacionadas.

e) Não distribuir ou limitar a distribuição de dividendos enquanto não forem liquidados os empréstimos.

Covenants não financeiros

a) Não alterar a estrutura societária sem comunicar a instituição financeira.

b) Entregar demonstrações contábeis auditadas por auditor independente.

c) Não comprovação física e/ou financeira da realização do projeto e/ou da aplicação dos recursos do financiamento em finalidade diversa da prevista em contrato.

d) Alteração no projeto financiado sem a devida autorização.

e) Inclusão de novos sócios que cerceiem o controle dos atuais acionistas.

Normalmente são colocadas cláusulas contratuais mencionando que em uma eventual quebra dessas disciplinas a instituição financeira PODERÁ exigir o vencimento antecipado do valor integral dos recursos emprestados. Assim, a decisão de liquidar, antecipadamente ou não, é da instituição financeira e, portanto, a dívida que seria paga no longo prazo (superior a 12 meses ou mais) poderá ser exigida imediatamente.

Nesse contexto, considerando a data-base de divulgação das demonstrações contábeis, o que a Administração e a Contabilidade devem providenciar à luz das práticas contábeis adotadas no Brasil?

Existem dois pronunciamentos contábeis que devem ser observados que são:

CPC 26 ( R1) – Apresentação das demonstrações contábeis

Item 72 A entidade deve classificar os seus passivos financeiros como circulantes quando a sua liquidação estiver prevista para o período de até doze meses após a data do balanço, mesmo que: 

(a) o prazo original para sua liquidação tenha sido por período superior a doze meses; e 

(b) um acordo de refinanciamento, ou de reescalonamento de pagamento a longo prazo seja completado após a data do balanço e antes de as demonstrações contábeis serem autorizadas para sua publicação. (Grifos nossos)

Item 74. Quando a entidade quebrar um acordo contratual (covenant) de um empréstimo de longo prazo (índice de endividamento ou de cobertura de juros, por exemplo) ao término ou antes do término do período de reporte, tornando o passivo vencido e pagável à ordem do credor, o passivo deve ser classificado como circulante mesmo que o credor tenha concordado, após a data do balanço e antes da data da autorização para emissão das demonstrações contábeis, em não exigir pagamento antecipado como consequência da quebra do covenant. O passivo deve ser classificado como circulante porque, à data do balanço, a entidade não tem o direito incondicional de diferir a sua liquidação durante pelo menos doze meses após essa data. (Grifos nossos)

CPC 24 – Eventos subsequentes

Item 10. A entidade não deve ajustar os valores reconhecidos em suas demonstrações contábeis por eventos subsequentes que são indicadores de condições que surgiram após o período contábil a que se referem as demonstrações. (Grifos nossos)

Como se pode verificar nas normas citadas, as dívidas de empréstimos e/ou financiamentos nos quais existe a possibilidade de exigência da liquidação da dívida de forma antecipada  e a critério da instituição, ainda que tenha o waiver (perdão do vencimento antecipado) posterior à data-base do relatório, mas antes da data de emissão deve ser reclassificada para o passivo circulante. 

Para evitar o estresse e o calor das discussões na preparação das demonstrações contábeis, seguem algumas considerações/sugestões: 

a. É responsabilidade primária do contador e da administração, atentar-se para as práticas contábeis adotadas no Brasil quanto ao atingimento das disciplinas financeiras e não financeiras, assim como adequada classificação das dívidas no passivo circulante ou não circulante no balanço. Não precisa esperar o pronunciamento do auditor.

b. Ao assinar o contrato, os executivos responsáveis pela contratação dos empréstimos precisam envolver o contador nas discussões para avaliar os impactos à luz das práticas contábeis. Depois não adianta questionar a regra contábil.

c. É preciso deixar claro no contrato a composição e a metodologia dos covenants a ser considerados. Exemplo: relação EBITDA/Dívida. Nesse caso, qual será a fórmula do EBITDA a ser adotado? O tradicional ou o ajustado? Qual dívida a ser considerada? Aliás, sobre o impacto das práticas contábeis no EBITDA, vide artigo de 8 de novembro de 2019.

d. É preciso observar o comportamento dos covenants ao longo do ano e antecipar as discussões com as instituições financeiras para obtenção do waiver até a data do reporte.

e. Para as empresas que possuem outros agentes de Governança Corporativa, como conselhos, compliance etc., estes precisam observar e acompanhar o cumprimento das cláusulas e das regras contábeis.

Tendo em vista o cenário econômico atual com provável queda nos resultados e aumento no endividamento, é muito importante que as empresas acompanhem essas disciplinas financeiras, quando aplicável, evitando assim discussões desnecessárias em relação às regras contábeis e, consequentemente, correta apresentação das demonstrações contábeis.

Marcelo José de Aquino – Sócio da KPMG no Brasil