Como saber se um benefício integra ou não o salário de um colaborador? A discussão é antiga e, para alguns casos mais óbvios, como o Vale-Transporte (VT) ou Vale-Alimentação (VA), já temos jurisprudência suficiente para tornar claro este debate.
No caso do VT, por exemplo, uma série de decisões aponta que, mesmo quando pago em dinheiro, o Vale-Transporte não integra o salário, tanto por contar com contrapartida do trabalhador (desconto de 6% na folha salarial); quanto por ser de caráter indispensável para o exercício do trabalho.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado para o VA (ou VR). Tal benefício só integrará o salário se não houver qualquer contrapartida por parte do trabalhador, bem como respeitar outros critérios legais, por exemplo, a inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Foi o que decidiu, por exemplo, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT), em caso envolvendo trabalhador que tinha pequeno desconto em folha como forma de compensação ao benefício.
Dito isso, a dúvida sobre a integração (ou não), de benefícios ao salário, surge, geralmente, quando tratamos de bonificações menos comuns para o dia a dia das empresas do país. É o caso, por exemplo, dos celulares e dos carros, cedidos por algumas organizações a seus funcionários. Nestes casos, o benefício deve ou não ser considerado de natureza salarial?
Para responder a essa pergunta, podemos nos remeter, primeiramente, a Súmula nº 367, do TST, de 2005, que explica que itens indispensáveis para a realização do trabalho “não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares”.
A Súmula nº 367 se refere, especificamente, a habitação, energia elétrica e veículos, muito embora, o raciocínio da indispensabilidade venha sendo utilizado para julgar casos relacionados a integração de benefícios nos salários – de modo sintético, quando o benefício é indispensável para a realização do trabalho, ele não é integrado ao salário; por sua vez, quando o benefício surge como uma bonificação pelo trabalho exercido, ele deve ser integrado ao salário e, consequentemente, sujeito as tributações de INSS, Fundo de Garantia e demais impostos trabalhistas específicos.
Lógica semelhante está presente no Art. 458, da CLT, que especifica, dentre outros pontos, que itens utilizados para a prestação do trabalho (ou diretamente relacionados a prestação do trabalho) não deverão ser considerados de natureza salarial. Dentro deste escopo, se inclui desde vestuário, até gastos com educação pagos pela empresa ou previdência privada, desde que respeitado alguns critérios legais, por exemplo, a limitação deste valor a 5% da remuneração mensal do segurado a quem se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário de contribuição, o que for maior, para fins de não incidência previdenciária
Sobre carros de luxo
Com estes elementos, já é possível concluir que, quando um carro é oferecido para um empregado exercer seu trabalho, este item não irá compor o salário – se, em uma situação hipotética, o carro for uma gratificação pelos serviços prestados pelo colaborador, tal benefício deverá compor o salário.
Mas e quando falamos de um carro de luxo? Há a necessidade de um carro de luxo para o exercício do trabalho? Neste caso, devemos levar em consideração o contexto. Em caso julgado pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, uma rede de artigos ópticos teve uma condenação trabalhista excluída, na qual era determinada a incorporação do aluguel de um carro de luxo ao salário de um ex-presidente da organização.
De acordo com a decisão do ministro Alexandre Agra Belmonte, “o veículo fornecido pela empresa era imprescindível para o trabalho, não obstante pudesse também ser utilizado pelo empregado para fins particulares”, seguindo, pois, a jurisprudência da Súmula nº 367 do TST. Neste caso, é possível deduzir que, sendo o funcionário, ex-presidente da empresa em questão, o carro de luxo estava de acordo com o grau hierárquico do trabalhador na organização.
Sobre celulares
Os celulares podem, também, gerar dúvidas nos empregadores sobre sua integração, ou não, aos salários. Seguindo a lógica que já apontamos acima, se os celulares forem utilizados como instrumentos de trabalho, ou seja, elementos fundamentais para a rotina do empregado, eles não deverão ser considerados de natureza salarial. Por outro lado, se os itens são uma gratificação pelos serviços prestados pelo colaborador, neste caso, sim, estamos falando de um benefício de natureza salarial.
Com este raciocínio, por exemplo, a juíza Alessandra Duarte Freitas, da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG), rejeitou o pedido de um supervisor que atuava em uma empresa de doces, para que sua franquia mensal de celular (paga pela empresa), fosse integrada ao salário. De acordo com o entendimento da juíza, como o celular era utilizado no trabalho, o item era indispensável para o trabalho do supervisor.
Sobre a necessidade de um código de conduta
Para concluir este artigo, vale a pena falarmos de como as empresas podem se munir de defesas, para os casos em que há questionamentos sobre a natureza dos benefícios que ela oferece. Neste caso, é interessante que a companhia conte com um código de conduta acessível para todos os colaboradores da organização, explicando a finalidade de cada benefício oferecido.
No caso dos celulares, por exemplo, a empresa pode estipular, de modo mais detalhado, como o item pode ser utilizado, inclusive verificando se há a necessidade de autorização ou monitoramento para as ligações.
O fundamental, neste caso, é deixar claro para os colaboradores que dispõem dos benefícios, as finalidades destes itens. Ademais, caso ainda persistam dúvidas sobre a jurisprudência dos benefícios trabalhistas, é sempre válido buscar o suporte de especialistas no tema. De pronto, a máxima do para X pelo trabalho é um bom norte inicial para o entendimento do universo da natureza salarial.
*Dhyego Pontes é consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.
Fonte: Jornal Contábil