As multas são os grandes temores dos contribuintes e muitas vezes eles não conseguem identificar casos em que elas são abusivas, para acionar mecanismos necessários e questionar os percentuais cobrados.

A multa por si só pode ser definida como uma penalidade. Um “castigo” gerado por mera impontualidade ou que ocasiona severa punição por eventual fraude, dolo ou má fé na tentativa de reduzir e suprimir tributos.

Em ordenamento jurídico, em especial no direito tributário, pode-se elementar alguns tipos de Multas previstas: As moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. 

Cada uma com sua previsão e regras de aplicação caso a caso, como apresentaremos neste artigo, seguidas e complementadas pelas decisões e jurisprudências que corroboram o entendimento.

multas abusivas

1. Multa Moratória

A multa moratória não têm caráter punitivo e em regra tem como percentual médio 20% do valor do tributo devido. Sua finalidade é estimular o cumprimento da obrigação tributária dentro do prazo legal. 

São devidas sempre que houver atraso no pagamento da obrigação tributária, ou seja, quando a obrigação tributária devidamente declarada não for paga, sem que haja fraude, dolo ou má fé.

2. Multa Punitiva e seus limites

Diferente da Multa Moratória, a Multa Punitiva tem caráter de punição por ato infracional, oriunda de ato infracional, dolo, fraude ou má fé visando redução da obrigação tributária devida pelo contribuinte. 

Atualmente o que se discute são os percentuais aplicados, bem como a obediência das Multas Punitivas em relação aos princípios da proporcionalidade. De modo que devemos analisar os percentuais aplicados a esse tipo de multa, caso afrontem o princípio constitucional do não confisco. 

2a) Princípio da proporcionalidade

A proporcionalidade em sentido estrito tem importância fundamental na aplicação das sanções. Assim, a gravidade da sanção deve ser equivalente à gravidade da infração praticada.

Os tribunais superiores, Supremo Tribunal Federal – STF – e Superior Tribunal de Justiça – STJ–, somente têm revisto sanções administrativas se elas forem absolutamente desarrazoadas ou desproporcionais. Do contrário, seria preciso analisar os fatos do processo, o que é vedado em recurso especial e extraordinário.

A proporcionalidade também é utilizada como uma forma de ponderação entre dois ou mais princípios constitucionais que estejam em conflito, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer sobre o outro. É comum utilizá-la, por exemplo, para resolver conflitos entre o interesse público e os direitos individuais.

2b) STF sobre multa confiscatória e abusiva

É comum usar o princípio de proporcionalidade em casos de conflito público X individual porque o STF já declarou o que é multa considerada confiscatória e abusiva. 

Após muita discussão, tivemos o julgamento da inconstitucionalidade da multa no percentual de 25% sobre valor da operação na esfera do ICMS, pela Segunda Turma do STF (Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 754.554/GO), sendo que referida decisão irá refletir diretamente nas multas aplicadas pelo Fisco Paulista, inclusive na presente.

A decisão do STF foi a seguinte, em termos gerais:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRECEITO INSCRITO NO ART. 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CARÁTER SUPOSTAMENTE CONFISCATÓRIO DA MULTA TRIBUTÁRIA COMINADA EM LEI – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE CONFISCATORIEDADE DO TRIBUTO – CLÁUSULA VEDATÓRIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO MATERIAL AO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E QUE TAMBÉM SE ESTENDE ÀS MULTAS DE NATUREZA FISCAL – PRECEDENTES – INDETERMINAÇÃO CONCEITUAL DA NOÇÃO DE EFEITO CONFISCATÓRIO – DOUTRINA –PERCENTUAL DE 25% SOBRE O VALOR DA OPERAÇÃO – “QUANTUM” DA MULTA TRIBUTÁRIA QUE ULTRAPASSA, NO CASO, O VALOR DO DÉBITO PRINCIPAL – EFEITO CONFISCATÓRIO CONFIGURADO – OFENSA ÀS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS QUE IMPÕEM AO PODER PÚBLICO O DEVER DE PROTEÇÃO À PROPRIEDADE PRIVADA, DE RESPEITO À LIBERDADE ECONÔMICA E PROFISSIONAL E DE OBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO. (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 754.554 – GO) GRIFO NOSSO.

3. Vedação do Fisco

Sabemos que o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal insculpe o princípio constitucional tributário do não confisco, que reafirma o direito fundamental de propriedade ao contribuinte, protegendo-o contra os abusos na cobrança de tributos e impõe ao Estado, em favor do contribuinte, limitações à ânsia arrecadatória do Fisco.

Portanto, havendo imposição de multa desarrazoada, acarreta a inafastável transferência para o Estado de parte do patrimônio do contribuinte, o que, de modo algum, pode ser considerado em harmonia com o texto constitucional.

Não se pode alegar que o princípio constitucional da vedação ao confisco não se estenderia às multas fiscais aplicadas em decorrência do descumprimento de uma obrigação.

3a) Entendimento do T.J de SP

Neste mesmo norte é entendimento também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que em alguns casos aplica a redução de multa considerada confiscatória ao mesmo patamar do percentual da multa punitiva, com a redução da multa para 20% do valor do Tributo, como pode-se observar:

ICMS – FALTA DE PAGAMENTO – EMPRESA QUE ADERIU AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO – PAGAMENTO EFETUADO – REDISCUSSÃO DOS VALORES PAGOS – VERIFICAÇÃO DE PAGAMENTO EQUIVOCADO EM RELAÇÃO AOS JUROS DE MORA, QUE DEVEM SER FIXADOS DE ACORDO COM A TAXA SELIC, USADA PELA FAZENDA, NÃO SE ADMITINDO UTILIZAÇÃO DE TAXA SUPERIOR – REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA PUNITIVA PARA 20%, SOB PENA DE CONFIGURAÇÃO DE CONFISCO – CASO EM QUE NÃO PODE HAVER RESCISÃO DO ACORDO FIRMADO PELAS PARTES, POIS HOUVE O ADIMPLEMENTO – DECADÊNCIA CORRETAMENTE NÃO RECONHECIDA – RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO E DA FAZENDA IMPROVIDO.  (TJSP; APELAÇÃO CÍVEL 1005096-37.2017.8.26.0566; RELATOR (A): JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA; ÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO; FORO DE SÃO CARLOS – VARA DA FAZENDA PÚBLICA; DATA DO JULGAMENTO: 12/11/2019; DATA DE REGISTRO: 14/11/2019)

APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO TRIBUTÁRIO – AUTO DE INFRAÇÃO – MULTA MORATÓRIA LIMITADA A 20% E MULTA PUNITIVA LIMITADA A 30%, NOS TERMOS DO ENTENDIMENTO DO STF – REVISÃO DOS JUROS – POSSIBILIDADE – O COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL DANDO INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO À LEI 13.918/2009, E EM CONSONÂNCIA COM O JULGADO NA ADI Nº 442, RECONHECEU QUE A TAXA DE JUROS APLICÁVEL AO DÉBITO DE IMPOSTO OU DA MULTA NÃO PODE EXCEDER A TAXA INCIDENTE NA COBRANÇA DOS TRIBUTOS FEDERAIS, NO CASO, A TAXA SELIC – PRECEDENTES TJSP E STF – HONORÁRIOS EXCLUÍDOS DA CONDENAÇÃO POR SE TRATAR DE MANDADO DE SEGURANÇA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSOS DO IMPETRADO, DA IMPETRANTE E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDOS.   (TJSP; APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA 1023541-46.2016.8.26.0564; RELATOR (A): MARREY UINT; ÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO; FORO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO – 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA; DATA DO JULGAMENTO: 20/03/2018; DATA DE REGISTRO: 21/03/2018)

Sendo assim vale pontuar o entendimento de Gilmar Mendes, relator do recurso, sobre a necessidade da multa pulnitiva cumprir sua função de desencorajar elisão fiscal. De acordo com o ministro para que tal necessidade ocorra, a multa pulnitiva “de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos” (v. RE nº 582.461/SP, Tribunal Pleno, relator Ministro Gilmar Mendes J. 18/05/2011, DJe 18/08/2011).

3b) Multas decorrentes de Autos de Infração 

Para observar as variações percentuais das multas punitivas, vejamos por exemplo as multas decorrentes de Autos de Infração na esfera federal que variam de 75% até 225%.

Em regra, sempre que o percentual superar 100% do valor do tributo, a multa pode ser considerada abusiva.

Destarte, à vista da jurisprudência acima mencionada (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1023541-46.2016.8.26.0564), impõe-se, a redução das multas punitivas abusivas e confiscatórias dada à inconstitucionalidade da sua base legal. Dado que há a necessidade de atenção aos princípios do não confisco e da razoabilidade, bem como de atenção à garantia constitucional da propriedade. 

Caso não haja a redução ao patamar de 20%, o máximo admitido é 100% do valor do suposto tributo, e não 150% aplicado na maioria dos autos de infração em multas aplicadas pela Receita Federal. Esse entendimento pode ser observado na recente decisão do Tribunal Regional Federal TRF-3 que determinou a redução de Multa confiscatória:

8. O E. STF ASSENTOU O ENTENDIMENTO DE QUE SOMENTE HÁ QUE SER CONSIDERADA CONFISCATÓRIA A MULTA ARBITRADA EM PERCENTUAL ACIMA DO MONTANTE DE 100%. LÍDIMA TAMBÉM A UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E DE JUROS DE MORA, NA ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS PAGOS EM ATRASO, EX VI DO DISPOSTO NO ARTIGO 13, DA LEI 9.065/95 (RESP 1073846/SP, REL. MINISTRO LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, JULGADO EM 25/11/2009, DJE 18/12/2009, RECURSO REPETITIVO), INCLUSIVE POR ENTES ESTADUAIS, SE TAL PREVISTO NA LEGISLAÇÃO LOCAL, CONSOANTE SE DEPREENDE DO ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 523 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

 (TRF 3ª REGIÃO, PRIMEIRA TURMA, APCIV – APELAÇÃO CÍVEL – 2176010 – 0025183-65.2016.4.03.9999, REL. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, JULGADO EM 09/05/2019, E-DJF3 JUDICIAL 1 DATA:18/06/2019). GRIFO NOSSO

O mesmo entendimento se aplica às multas isoladas que excedam os percentuais de valores das mercadorias/valores relacionados com a infração.

Além disso em alguns casos específicos, há a possibilidade de relevação da multa isolada, quando a mesma não resultar em dano erário e não praticada com dolo ou má fé. Isso porque a multa não pode ser confiscatória e ter caráter simplesmente arrecadatório, mas sim caráter também, educativo.

4. Quando o contribuinte pode questionar o percentual cobrado.

Compreendendo as decisões e as explicações que abordamos nesse artigo, conclui-se que sempre que a multa punitiva ou isolada for superior a 100% do valor do tributo, pode o contribuinte questionar o percentual cobrado, para que haja a devida redução.

Podendo nos exemplos e casos acima mencionados na atual jurisprudência reduzir ao patamar de 20% do valor do tributo, podendo questionar antes, após a inscrição em dívida ativa bem como também, em débitos parcelados, ou até mesmo já pagos, podendo pedir a restituição, obedecendo o prazo prescricional e 5 anos do pagamento de multa abusivas que excedam os percentuais indicados.

Se você tiver dúvidas sobre o assunto ou desejar fazer suas considerações, deixe seu comentário ou escreva diretamente para o autor: augustofauvel@vamosescrever.com.br.

Fonte: Blog Arquivei