Em decorrência da pandemia da COVID-19, muitos questionamentos têm surgido acerca da possibilidade ou não do saque do valor integral depósitos da conta do trabalhador vinculada ao FGTS.
Nesse sentido, é importante registrar que os empregados urbanos e rurais têm direito ao FGTS, independentemente da duração do contrato, não havendo qualquer diferenciação entre empregados domésticos, que também possuem esse direito.
Antes de adentrar na possibilidade do saque do valor integral do FGTS em decorrência da pandemia causada pela COVID-19, é necessário pontuar as hipóteses de possibilidade de saque da quantia total. Nesse sentido, in verbis:
“Lei nº 8.036/1990
(…)
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:
a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;
b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e
c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento. “
(destacou-se)
Observa-se que a lei não conceitua o que seria um desastre natural. No entanto, o Decreto nº 5.113/2004 traz a explicação:
“(…)
Art. 2º Para os fins do disposto neste Decreto, considera-se desastre natural:
I – vendavais ou tempestades;
II – vendavais muito intensos ou ciclones extratropicais;
III – vendavais extremamente intensos, furacões, tufões ou ciclones tropicais;
IV – tornados e trombas d’água;
V – precipitações de granizos;
VI – enchentes ou inundações graduais;
VII – enxurradas ou inundações bruscas;
VIII – alagamentos; e
IX – inundações litorâneas provocadas pela brusca invasão do mar
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades.”
(destacou-se)
Mas então, a pandemia é ou não hipótese que autoriza o saque do valor integral do FGTS?
Sim, pois apesar de “pandemia” não constar no rol do artigo 2º, assim como não está o tsunami, terremoto, endemias, dentre outros. Conclui-se, portanto, que o rol do artigo é meramente exemplificativo.
E, nesse sentido também entende o Superior Tribunal de Justiça – STJ, que firmou entendimento no sentido de que referido dispositivo elenca apenas um rol exemplificativo, permitindo-se interpretação extensiva quando relacionado ao princípio constitucional de proteção à finalidade social do fundo, in verbis:
“(…) o Superior Tribunal de Justiça já assentou que o art. 20 da Lei n. 8.036/90 apresenta rol exemplificativo, por entender que não se poderia exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas ensejadoras de proteção ao trabalhador, mediante a autorização para levantar o saldo de FGTS. (…) 11. Por isso, têm direito ao saque do FGTS, ainda que o magistrado deva integrar o ordenamento jurídico, em razão de lacuna na Lei n. 8.036/90, com base nos princípios de interpretação constitucional da eficácia integradora e da unidade da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade em sentido estrito. 12. Recurso especial não provido.” (REsp 1251566/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA)”
(destacou-se)
E como fica a limitação prevista pela MP 946/2020?
A MP 946/2020, pelo Governo Federal foi “desnecessária”, especialmente o artigo 6º, que estabelece R$ 1.045,00 como valor máximo para saque, uma vez que já há norma a respeito da liberação do FGTS em face da epidemia, pois se tratando de direito do Trabalhador deve ser aplicada a norma mais favorável, devendo ser autorizado o saque do valor integral do FGTS pelo trabalhador.
Nesse mesmo sentido tem sido também o entendimento atual dos juízes nacionais, que tem entendido que a publicação da Medida Provisória nº 946/2020 pelo Governo Federal, foi realmente desnecessária e que esta não deve limitar o valor do saque pelo trabalhador, uma vez que a Lei já previu a possibilidade do saque do valor integral do FGTS.
Outrossim, em decisão judicial recente prolatada pela juíza da PATRÍCIA PEREIRA DE SANT’ANNA, Titular da 1ª Vara do Trabalho de Lages LAGES/SC, publicada no dia 16.05.2020, no processo nº 0000804-88.2020.5.12.0007, deferiu o pedido da parte autora e autorizou a expedição de alvará determinando ao gerente da Caixa Econômica Federal que procedesse com o pagamento do valor de 100% depositado na conta do FGTS.
Nesse sentido, segue trecho da decisão, in verbis:
“Portanto, a listagem apresentada no Art. 2º do Decreto nº 5.113/2004, é exemplificativa e não taxativa, posto que não há como exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas de desastre natural que podem ocasionar o direito à liberação do FGTS. Dessa maneira, deve-se fazer uma interpretação extensiva, com base no princípio da razoabilidade, utilizando o sentido de justiça, bem como no da proporcionalidade em sentido estrito. Sendo assim considerado, desnecessária foi a edição da Medida Provisória nº 946/2020, notadamente do disposto no Art. 6º, que estabelece, como valor máximo para saque o importe de R$ 1.045,00, eis que já há norma a respeito da liberação do FGTS em face da pandemia do Coronavírus, causador da COVID – 19, conforme acima exposto e que estabelece valor superior para liberação no Art. 4º do Decreto nº 5.113/2004, que é o de R$ 6.220,00. Sem dúvida, existe regra mais favorável e ela que deve ser aplicada no âmbito do direito do trabalho. Além disso, não é possível que o Poder Executivo edite Medida Provisória a respeito da qual já há regulamentação legal. Ainda que assim não fosse, deve ser considerado que o trabalhador tem direito ao saque do valor integral do FGTS, em face do direito constitucional à vida. Sendo o FGTS o direito à estabilidade econômica do trabalhador e meio de garantir a sobrevivência, certo é que, em tempos de pandemia e, portanto, de um desastre natural de proporções, até o momento, desconhecidas, o direito à vida do trabalhador deve ser assegurado por meio, também, de seu direito à estabilidade econômica, conferida pelo FGTS.
(…)
Diante do exposto, acolho o pedido para determinar a liberação do valor integral do FGTS existente na conta vinculada do autor.”
(destacou-se)
E nesse mesmo sentido também foi a decisão do juízo do 3º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro, publicada no dia 22 de maio de 2020, no processo nº 5022357-16.2020.4.02.5101, in verbis:
(…)
Pelo exposto, CONFIRMO A DECISÃO – EVENTO 4 e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para determinar que a CEF proceda ao pagamento à parte autora (CPF º. 339.934.321-34) do valor de R$ 8.793,71 (sete mil, setecentos e noventa e três reais e setenta e um centavos), referente às seguintes contas vinculadas de FGTS: (i) PIS/PASEP 123.22886.88-4, Inscrição Empregador 33809609000165, conta nº 5764500248026 / 1189280 – RJ (evento 1, ANEXO12), com saldo atualizado até 10/03/2020 no valor de R$ 7.269,65; (ii) PIS/PASEP 108.18210.10-6, Inscrição Empregador 33809609000165, conta nº 5764500248026 / 947008 – RJ (evento 1, ANEXO13), com saldo atualizado até 10/03/2020 no valor de R$ 1.524,06; acrescidos de juros e correção monetária de acordo com as regras do FGTS, até a data do efetivo pagamento. Defiro a gratuidade de justiça requerida pela parte autora. Sem custas ou honorários, ressalvada a hipótese de recurso à Turma Recursal (art. 55 da Lei nº 9.099/95). Transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se. Sentença assinada digitalmente (certificação digital) na forma do art. 1º do Provimento Conjunto nº 4 de 16 de dezembro de 2005. P.R.I. Rio de Janeiro, 22 de maio de 2020.
(destacou-se)
Diante de todo exposto, resta totalmente devido ao trabalhador o saque da quantia total do FGTS, uma vez que já existia autorização legal para tal possibilidade, o que acontece é que após a publicação da MP nº 946/2020 pelo Governo Federal, tem sido necessário que para conseguir o saque de 100% do valor do FGTS o trabalhador entre com uma ação judicial para ter o seu direito tutelado e só assim conseguir o saque.
Autor (a): Thamyres Farias de Santana, advogada OAB/PE nº 48.348-D
Contato: (81) 9-7906-2859
Recife (PE), 26 de maio de 2020.
Fonte: Jornal Contábil